ONE PAGER: Desigualdades urbanas na infância |
N° 59 | Agosto | 2013 |
A Equidade para a Infância pretende colaborar para que o fenômeno da desigualdade urbana seja problematizado de forma complexa e multidimensional, considerando, especialmente, seus efeitos sobre a população mais jovem das cidades, ou seja, as crianças e adolescentes[1]. A perspectiva que se busca enfatizar baseia-se na convicção de que as vidas das pessoas são profundamente afetadas pelo lugar onde nascem, crescem, são educadas e socializadas. Neste sentido, propõe-se, por um lado, que os efeitos das cidades nas pessoas começam a ser notados desde os primeiros anos de vida. Por outro, que sendo a cidade uma só em termos geopolíticos, ao mesmo tempo contém em si mesma muitas cidades. Ou seja, as cidades estão fragmentadas e as condições de vida nos seus distintos bairros podem ser radicalmente diferentes. Acessos muito variados aos direitos de educação, lazer, saneamento, trabalho, circulação, etc.[2] configuram diferentes possibilidades, experiências e formas de participação na cidade. Em suma, a complexidade das desigualdades no âmbito de uma mesma cidade pode ser muito grande, sendo necessário conhecê-la para poder incidir sobre ela de forma efetiva. Além de considerar as mencionadas desigualdades intraurbanas, é necessário prestar atenção aos efeitos que estas têm de acordo ao momento da vida que estejam atravessando as pessoas que as padecem. Isso porque tanto os usos e apropriações da cidade como os efeitos perversos de habitá-la não são os mesmos quando se tratam de adultos ou de crianças, de mulheres ou de homens. As desigualdades nas cidades devem ser problematizadas levando-se em consideração o curso da vida, os imaginários sobre cada idade social que se expressam na vida urbana, a condição de gênero e as representações associadas a ser homem ou mulher. Assim como é preciso compreender e atuar sobre as desigualdades urbanas considerando-se as dimensões de idade e de gênero, tampouco se pode desconhecer as dimensões étnica e racial já que a maior parte das cidades latino-americanas são constituídas por populações negras, indígenas e migrantes que não apenas sofrem desigualdades de classe como também estigmatizações, discriminações e segregações em função de seu pertencimento étnico. Considerando que o problema das desigualdades urbanas é um fenômeno complexo, a política social urbana deve incluir e integrar as políticas dirigidas a melhorar os níveis de vida, as que visam diminuir as desigualdades sociais e as que buscam eliminar a segregação urbana de crianças e adolescentes. Do ponto de vista da infância e da adolescência, é necessário considerar as dimensões ambientais do espaço e as dimensões subjetivas da experiência da cidade, dada a importância de aspectos tais como a estabilidade, a sensação de segurança, e a percepção de segregação na vida cotidiana.
Sendo assim, é preciso ter em mente ao menos duas questões. Primeiramente, o fato de que as políticas de moradia – diretamente relacionadas às desigualdades urbanas – configuram oportunidades e restrições que facilitam ou restringem processos de mobilidade sócio-territorial[3]. Elas têm influência direta na requalificação de determinados territórios, tornando-os melhores lugares para se viver. As políticas de moradia podem ativar um conjunto de intervenções públicas vinculadas aos direitos básicos como o saneamento, o acesso ao transporte, aos locais de trabalho, às instituições educativas e de saúde. O melhoramento habitacional urbano colabora para diminuir as estigmatizações sobre certos territórios. A estigmatização territorial, construída social e midiaticamente e alimentada pelo abandono estatal, o delito e a pobreza, não se manifesta apenas materialmente, por exemplo, através da inexistência de serviços de transporte público ou da falta de profissionais de saúde e de educação. Também se expressa simbolicamente através da transposição das carências e dos supostos vícios do território aos/às seus/suas moradores/as, o que, no caso dos jovens, dificulta enormemente sua inserção laboral.[4] É fundamental não separar o discurso de direitos – que se destaca nas discussões sobre infância e proteção – do questionamento sobre as desigualdades. Caso contrário, os direitos adquirem um caráter tecnocrático, configurando-se mais numa ficção do que numa plataforma a partir da qual construir a luta pela equidade. O discurso de direitos deve estar conectado aos contextos em que se busca aplicá-lo, pois de acordo com o que significam em cada contexto os direitos implicam inclusões e exclusões, sendo que essas definições são produto de disputas entre distintas posições político-ideológicas e objeto de interpretações dissimiles.[5] Por outro lado, o discurso de direitos tende a não explicitar o modo em que os países devem garantir os direitos sociais (ou de provisão e proteção) de acordo com as normas que dizem seguir – por exemplo, a CDC – bem como tende a isolar o problema dos direitos das crianças e adolescentes das desigualdades de classe, de gênero e de raça como meio de evitar lidar com as realidades políticas e econômicas. Por isso, é preciso fazer um uso crítico do mesmo em estreita relação com uma análise das desigualdades que em cada momento precisam ser abordadas.
A ampliação das possibilidades de acesso à educação não requer apenas medidas estruturais como a construção e a garantia das condições de funcionamento das escolas[6]; requer, também, um sistema de saúde orientado à prevenção precoce que permita uma maior e melhor inserção na escola.[7]; Outra questão importante refere-se às construções simbólicas e materiais que façam com que o trabalho infantil não seja uma opção em detrimento da escola[8]. A articulação territorial e ambiental das políticas na área saúde, educação e trabalho permitirá o desenvolvimento de ações mais complexas e melhor direcionadas. Em suma, o que interessa ressaltar é que para reduzir as desigualdades, não apenas é necessário considerar o cumprimento de direitos estabelecidos setorialmente, mas o esforço político para articular as diferentes áreas que compõem o bem-estar das crianças e adolescentes que vivem nas cidades. A complexidade que o fenômeno da desigualdade apresenta e seus efeitos sobre a infância e adolescência exigem uma abordagem intersetorial. Deste modo, o Estado em suas distintas esferas e órgãos, as organizações da sociedade civil, e as instituições acadêmicas que estudam e ou pesquisam sobre o problema devem encontrar formas de articular seus esforços neste sentido.[9] Se bem esses atores têm lógicas de ação e interesses distintos, bem como diferentes responsabilidades quanto à solução do problema, podem fortalecer-se mutuamente. O ponto chave é que esses atores possam se encontrar, compartilhar diferentes visões e boas práticas[10], colaborando para a superação dos obstáculos presentes e contribuindo para a construção de políticas públicas urbanas que erradiquem as desigualdades na infância e adolescência. O trabalho da Equidade para a Infância busca facilitar os processos de aproximação e “tradução” que são necessários para que os conhecimentos e aprendizagens de múltiplos atores possam encontrar uma linguagem comum.[11] As ações que vem sendo empreendidas para alcançar esse objetivo se baseiam na convicção de que apenas fortalecendo e estimulando o trabalho colaborativo se poderá encontrar as maneiras para que as infâncias e adolescências das cidades latino-americanas vivam em condições de maior equidade.
[1] Desigualdades urbanas na infância e adolescência. Equidade para a Infância. http://equidadeparaainfancia.org/desigualdades-urbanas-na-infancia-e-adolescencia/ [2] Impacto da desigualdade intraurbana na população infantil da América Latina. Alberto Minujin, Diego Born, Enrique Delamónica. http://equidadeparaainfancia.org/impacto-da-desigualdade-intraurbana-na-populacao-infantil-da-america-latina/ [3] Produção da pobreza e políticas sociais. María Mercedes Di Virgilio. http://equidadeparaainfancia.org/producao-da-pobreza-e-politicas-sociais/ [4] As conseqüências da estigmatização territorial. Gabriel Kessler. http://equidadeparaainfancia.org/as-consequencias-da-estigmatizacao-territorial-reflexoes-a-partir-de-um-caso-particular/ [5] Resignificando a proteção. Carla Villalta e Valeria LLobet. http://equidadeparaainfancia.org/resignificando-a-protecao-novas-normativas-e-circuitos-no-campo-das-politicas-e-os-dispositivos-juridico-burocraticos-destinados-a-infancia-na-argentina/ [6] Educação crítica. Flavia Terigi. http://equidadeparaainfancia.org/educacao-critica-um-novo-saber-pedagogico-em-busca-de-solucoes-para-problemas-de-longa-data/ [7] Promovendo equidade desde o início. Primeira infância e saúde. Clyde Hertzman, Helia Molina, Raúl Mercer, Ziba Vaghri. http://equidadeparaainfancia.org/promovendo-equidade-desde-o-inicio-atraves-do-desenvolvimento-da-primeira-infancia-e-da-saude-em-todas-as-politicas-publicas/ [8] Reflexões acerca o Trabalho Infantil. Mariela Macri. http://equidadeparaainfancia.org/reflexoes-acerca-o-trabalho-infantil-seminario-internacional-desigualdades-urbanas-en-la-infancia-y-adolescencia/ [9] Reflexões sobre o Seminario Desigualdades Urbanas. Laura Acotto. http://equidadeparaainfancia.org/reflexoes-sobre-o-seminario-internacional-desigualdades-urbanas-en-la-infancia-y-la-adolescencia/ [10] Uma dessas experiências é o EDUCÔMETRO. http://equidadeparaainfancia.org/a-infancia-como-medida/ [11] Coordenação intersetorial das políticas sociais. Alberto Reinaldi. http://equidadeparaainfancia.org/coordenacao-intersetorial-das-politicas-sociais/
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